A Coreia do Sul é mergulhada em pobreza e violações brutais de direitos humanos, os moradores de Nova York têm de sair às ruas com colete à prova de balas para se proteger da violência urbana e a ideologia juche criada por Kim Il-sung é estudada de maneira fervorosa ao redor do planeta.
O retrato do mundo e da Coreia do Norte apresentado nos jornais, rádios e TVs oficiais do país é um exercício de permanente glorificação da dinastia Kim, demonização dos “imperialistas” norte-americanos e seus “fantoches” sul-coreanos e exaltação do militarismo e da suposta superioridade da peculiar versão local do socialismo.
Notícias internacionais são escassas e costumam dar destaque a catástrofes naturais, como tufões e terremotos, e ao impacto negativo da intervenção dos Estados Unidos em crises internacionais. As experiências de Iugoslávia, Iraque e Líbia são usadas para demonstrar o que pode ocorrer com países desprovidos de armas poderosas e servem para justificar a defesa da construção de um arsenal nuclear pela Coreia do Norte. A propaganda oficial sustenta que, sem ele, o país poderá ser invadido e dominado pelos norte-americanos.
O risco de um conflito armado é sempre apresentado como iminente, o que é usado para justificar o desproporcional investimento militar em um país que está entre os mais pobres do mundo.
Também é o álibi para explicar a ausência de acesso à informação fora dos canais oficiais de propaganda, apresentada como uma maneira de proteger a população da perniciosa influência inimiga. Norte-coreanos não têm internet, não usam e-mails e não têm ideia do que sejam Facebook e Twitter.
No universo em que habitam, a kimilsungia é a flor mais sagrada do mundo e kimjongilia, a mais famosa. Na primavera, os meios oficiais trazem textos quase diários sobre exposições das flores em vários países. Segundo a máquina de propaganda de Pyongyang, a kimjongilia floresce nos cinco continentes e “atrai a admiração da humanidade com seu charme”.
Os representantes das três gerações de líderes da família Kim são apresentados como estadistas respeitados internacionalmente. Na quarta-feira, a agência oficial de notícias KCNA disse que “todo o mundo” enviou “calorosas congratulações” a Kim Jong-un para cumprimentá-lo pelo aniversário de um ano da nomeação para os cargos de primeiro-secretário do Partido dos Trabalhadores e primeiro-presidente da Comissão de Defesa Nacional. “Mais de 12 mil veículos de comunicação de todo o mundo competiram entre si para dar ampla publicidade a suas incessantes inspeções do front e orientações práticas nas mais diferentes áreas”, declarou o texto.
Na mitologia construída pela propaganda oficial, Kim Il-sung (1912-1994), seu filho Kim Jong-il (1941-1911) e o neto Kim Jong-un, de 30 anos, são apresentados como líderes oniscientes e onipresentes, que guiam os norte-coreanos em tarefas tão distintas como a plantação de batatas e a fabricação de foguetes.
O ponto alto da visita a qualquer instituição ou empresa é a relação das orientações escritas recebidas de cada um dos Kim e o registro das datas em que visitaram o local pessoalmente. Em todos os lugares há quadros, mosaicos ou fotos e de Kim Il-sung e Kim Jong-il, que também aparecem nos broches que os norte-coreanos levam do lado esquerdo do peito.
A glorificação da Coreia do Norte e da dinastia Kim é acompanhada pela apresentação sombria do mundo exterior, em especial dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Sob o título “O pior deserto de direitos humanos”, os veículos oficiais divulgaram em março relatório do governo de Pyongyang que apontou a suposta situação “medonha” em que vivem os vizinhos do Sul. “Mais de 7 milhões de famílias, que representam 45% do total, estão vivendo uma existência da mão para a boca, sem moradia permanente, e inúmeras pessoas enfrentam uma vida de privações em lugares que dificilmente podem ser chamados de lares”, sustentou a propaganda norte-coreana.
Separados em 1945 em uma zona de influência socialista no Norte e outra capitalista no Sul, os dois lados da península percorreram trajetórias díspares.
A Coreia do Sul é um dos países mais tecnologicamente avançados do mundo e possui um PIB per capital de US$ 31 mil, quando calculado de acordo com a Paridade do Poder de Compra (PPP), que leva em conta os preços domésticos. A Coreia do Norte não divulga estatísticas econômicas, mas a cifra é estimada em US$ 1.800.
Kim Jong-il acreditava que a diluição ideológica havia sido a principal razão para o fim da União Soviética e decidiu intensificar a doutrinação para sustentar o regime. Mas o contato com o mundo exterior começa a abrir brechas na propaganda monolítica, com a entrada clandestina de DVDs sul-coreanos e chineses. O que não se sabe é como os norte-coreanos vão reagir quando souberem que a realidade fora do país não corresponde à imagem construída pelo regime.